E no fim, vinha uma ansiedade como uma
espera suave e ao mesmo tempo inquietante que deixava no ar a duvida entre ir ou
ficar. Nada certo. Nada escolhido. Os planos haviam se tornado inviáveis e
entre aquele momento e o que vinha a seguir havia apenas a vontade de
experimentar as plenitudes e ter uma passagem tranquila.
Os corações se encontraram no
compartilhamento dos anseios e decidiram ir, bailar na incerteza, com o
acalanto de que cada uma é capaz de cuidar de si, e mesmo assim, uma cuidaria
da outra sempre que necessário, deixando espaço aberto para que o universo cuidasse
de todas. Éramos três, intimamente ligadas pelo desejo recíproco em tornar tudo
o mais belo e leve possível.
A direção foi escolhida: Leste, porque
é onde nasce a Lua. Uma sugeriu as outras concordaram. Na estrada a sugestão de
uma parada para o almoço logo ali: Canto Verde, onde o povo busca sobreviver
entre os conflitos se sacudindo entre a beleza e o absurdo. A beira de um
mar sem tamanho, frente a uma beleza de deixar sem palavras e um almoço que
afetava mais que um sentido a perfeição se tornou possível, mesmo contra as
usuais regras de que não se pode encontrar a perfeição em um único lugar.
A vontade de ficar brotou, mas, o
penúltimo dia do ano aparentava tornar difícil, naquele paraíso com espaço pra
poucos e desejado por muitos, um lugar que servisse de ponto de apoio. No
entanto, quando algo deve acontecer todo o universo converge para aquele fim, e
não só achamos um lugar, como o encontrado superava as expectativas.
Aconchegante, belo e funcional, e num terreno frente ao paraíso achou-se um lar
para breve período.
O fim de tarde escorregou leve, entre
gargalhadas, taças de vinho e uma musica inigualável que encantava até o tempo,
fazendo-o decidir correr mais frouxo.
A noite que desceu perene sugeriu uma
visita a amigos próximos, e caminhando na areia fofa, chegamos aquela
outra casa. Muitos já estavam por ali, e a musica era a cúmplice perfeita para
um transbordamento. A música não se contentou com o usual e se revelou através
de uma sincronicidade única. O violão, a voz e principalmente a bateria viraram
fliperama para as crianças existentes pelo lado de dentro, e no fliperama para
além de diversão foi possível achar muito talento. A arte mostra uma essência
por muitas vezes esquecida, e decidiu agir naquela justa noite.
O encontro foi regado pela luz de uma
lua que veio como pra espiar o que ali acontecia. Nem a lua que subia no céu
toda avermelhada e por horas se escondendo tímida por trás das nuvens pode
resistir o encanto daquela noite, e emergiu plena sobre nossas cabeças, fazendo
a noite clara.
Com a madrugada, as despedidas para
outros encontros, mais profundos. A palavra veio como mediação e busca de
entendimento, porque não dizer até como fuga, porque a fuga por vezes é a
alternativa mais coerente, uma pausa ante a impossibilidade de dizer
plenamente.
O dia seguinte iniciou orgástico, com
sabores desfrutados sob a cumplicidade do mar e do coqueiral. E, muito embora
tudo vivenciado até aqui já valesse por tudo, aqui não se encerrou, fomos ainda
ao encontro da lagoa, um cenário pra o pertencimento eterno onde o branco da
areia e o azul da água compunham uma plenitude que chegava a ser palpável até à
visão.
Por entre risos, fotografias e passos
na areia, saudamos o ultimo dia do ano, que se despedia sem dor, e talvez até
com certo alívio. A possibilidade do fim é que institui o recomeço.
Depois vivemos Canoa, a cidade lotada
de mercado e turistas reiterou em nossas almas o privilegio de poder voltar
para onde estávamos, e voltamos com a maior brevidade possível.
Ao retornar, outro presente recebido: A
possibilidade de cozinhar o que comer e comer juntas, coisa tão simples e cada
vez mais difícil. Melhor ainda quando se pode, ao terminar, viver um pouco de
preguiça no corpo, e assim o fizemos como se em preparação solene para a
passagem próxima.
O rito incluindo banho, perfumes,
roupas devidamente preparadas e elogios recíprocos antecederam a caminhada a
mesma casa do dia anterior. Taças de vinho. Momentos de introspecção. Momentos de
dialogo. Fogueira. Gente rindo.
Na contagem dos minutos, a caminhada à
outra fogueira, na beira do mar, e veio o momento da passagem, o momento em que
o tempo delimitado pelos ponteiros, pelo calendário, e, sobretudo, pela
necessidade de transformar o hoje em amanhã faz com que um ano passe sobre
nossas vistas em dez segundos.
Esse momento que pede para ser bebido
até sua ultima gota veio com preces, agradecimentos, com trocas, beijos,
palavras, musica e dança... e se a perfeição cabe no tempo, o tempo foi aquele
exato, onde não restaram duvidas nos olhos ou medos de incertezas ou tempo para
o que não fosse fundamental.
Esse momento de passagem fechou e
abriu. Fechou tudo que impedia de seguir com paz, rebaixando a condição de
passado toda a dor, o medo. Abriu o mundo descortinando as possibilidades múltiplas
para uma existência feliz.
E a mim só resta, relatar, agradecer e
viver esse próximo ciclo com o carinho, a força e o respeito que esse começo me transmitiu.
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